Frase

"A noção do dever bem cumprido,ainda que todos os homens permaneçam contra nós, é uma luz firme para o dia e abençoado
travesseiro para a noite."
(Os Mensageiros)


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quinta-feira, 6 de maio de 2010

Não é por isso

Rodinha de mães. Uma começa a reclamar, as outras seguem a trilha.
Também, pudera, a coisa é mesmo exigente. Eu estou quieta, comendo e com
a cabeça parcialmente lá, quando me chamam:
- E você, não reclama?
*Sorriso social* Alguém responde por mim:
- A Joyce nunca reclama. Ela é melhor que todas nós. Ela já atingiu
o estado do nirvana.
*Risos educados* Eu fico com cara de taxo. Digo ou não digo? Anoto o
ambiente: pessoas, riso, música, crianças gritando, conversa
entrecortada. A decisão vem no automático: não digo. Simplesmente mudo
de assunto. Mas aqui, deu vontade de contar.
Quando estava grávida de Estêvão, falavam muito no trabalho que eu
teria. Nas minhas noites insones, nas frustrações, no rosário completo.
Ele nasceu e foi para UTI. Dois dias depois, eu fui encontrá-lo. Na
próxima semana, eu o via com hora marcada, com medo de que algo horrível
acontecesse entre uma visita e outra. FOi um período negro. Poderia
preencher linhas e linhas falando de mim, mas mal tenho coragem.
Nós e outras famílias esperávamos a hora de ver nossos filhos,
quando soubemos de uma perda. EU lembro bem do caso, mas não vou expô-lo
aqui. Entretanto, naquele instante, estávamos conectadas. Juro que o que
marcou mais não foi o medo do próximo ser o meu, mas a própria sintonia
com a dor dela. Não existe descrição. Qualquer expressão é tacanha,
imprópria, imatura.
De noite, por força das circunstâncias, ouvi seus gritos.
Se tivesse sido forçada a entreouvir um intercâmbio sexual entre e ela
e seu companheiro, teria me sentido menos invasiva. Impotência.
Transformação. Toda grandiosidade da vida ao revés.
No dia seguinte, dois pais de crianças internadas comentavam sobre a
diferença entre uma noite mal dormida com o filho em casa e uma com o
pequeno na UTI.
Eu sabia bem a diferença e até hoje, não esqueci.
Se temos sorte, vivemos em um universo restrito, em que circulam
basicamente bebês rechonchudos e saldáveis, cujas grandes dificuldades
maternas girarão ao redor de faringites, bicos rachados e dentes
tardios.
Não desmereço nada disso. Simplesmente sei que existe o pior, o que
me obriga a imprimir as minhas próprias vivências diante da maternidade
um tom diferente.
Meus filhos são um presente que não me pertence. Eles vieram por
mim, mas não são meus. Cada dia é uma dádiva, uma escola, um milagre.
Qualquer dia pode ser o último.
Eu também fico exausta. Também tenho saudade dos tempso m que podia
dormir até às oito. Também fico zureta com a bagunça do meu mais velho e
às vezes tenho vontade de que eu fosse quatro: uma cuidaria da casa,
outra cuidaria do Kevo, outra, da Mariles e a quarta, que seria eu,
tomaria um banho demorado e dormiria a noite inteira.
Mas eu me acho uma privilegiada por tudo isso. Por duas crianças
perfeitas; por meus maiores problemas serem constituídos de noites
insones e faringites.
Então, no final, eu me sinto grata. Muito grata.

Eu já vi muitos pais se perguntarem o porquê de seus filhos
imperfeitos ou com breve existência; eu às vezes me pergunto o porquê de
ter sido tão abençoada com minhas crianças tão normais, no fim de tudo.
Talvez eu tenha vivido coisas demais, em maio de 2007. O fato é que
eu não posso ser a mesma pessoa depois daqueles eventos. Não
sei se lamento a sério. Gosto de pensar que estou aproveitando com
sabedoria tudo que aconteceu.

1 Comentários:

Luciana 9 de maio de 2010 às 00:06  

Jo, vc é uma inspiração pra mim! Vou lembrar sempre dessas suas palavras tao bem colocadas.

Que vc passe um feliz dia das maes e que sejam felizes todos os dias que se seguem. Saude pra todos.

Com carinho, Lu e Nic

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