Frase

"A noção do dever bem cumprido,ainda que todos os homens permaneçam contra nós, é uma luz firme para o dia e abençoado
travesseiro para a noite."
(Os Mensageiros)


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sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Do muito ou do pouco a dar

Não tenho a quem culpar que não seja eu mesma por minhas mazelas,
dificuldades recorrentes de amar e progredir na humildade construtiva.
Hoje posso dizer, sem medo de parecer dramática ou ridícula, que eu sou
a maior adversária de mim mesma e aprincipal agravadora das penas que
a mim, como a todos, são naturais.
Nessa esteira, a maternidade é búçola sagrada a me orientar o
caminho, é a estrada santificante que, ao tempo em que me absorve, me
absolve de mim mesma, norteia meus passos, revisa e revisa minha lista de
prioridades emocionais, enxugando, vez à vez, todas as inutilidades.
O compromisso maternal, portanto, nunca me pesou; pelo contrário...
Fortalece-me e alcança-me e protege-me em recessos nos quais,
anteriormente, estava eu isolada, acompanhada apenas por meus demônios e
por minha fé claudicante.
E diante de momentos nos quais os meus defeitos parecem me condenar
ao fracasso moral, a lembrança dos meus pequenos me colhe com toda
força.
Lembro-lhes os gestos, as vidas tenras desabrochando, a
necessidade de dar o melhor de mim para eles, não obstante às dores, não
obstante minha própria fraqueza que, por vezes, de tão avassaladora,
quase me paralisa.,
Paralelo a tudo isso, vem a minha lembrança o quadro de uma mãe
descrita em uma das obras de André Luís. Acuada pelas próprias dores,
desesperada, desiludida e sozinha, Aracélia constrangeu-se ao suicídio.
Anos mais tarde, sua filha, exposta a provas amaríssimas, evoca, no
clímax do desespero, o auxílio materno. Ela responde, naturalmente e,,
entretanto, naquele momento, tem nas mãos vazias apenas a letra de uma
canção. Após ofertá-la, como único tesouro que poderia oferecer, ela
desculpa-se, em pranto copioso, por mais nada ter a oferecer à própria
filha, em transe tão doloroso.
É por isso que, dia após dia, só rogo a Deus forças para seguir com
os propósitos que me direcionam; peço-lhe saúde para que meu vaso físico
cumpra com tudo isso; peço, sobretudo forças morais, para não sucumbir a
mim mesma e, assim, chegar a não ter com o que acudir meus filhos, em
seus momentos de desespero, aprendizado e dor.

Que Deus nos ampare.

****

Embora sem elucidações prévias, não nos era lícito alimentar qualquer dúvida. Aquela, era a
jovem do retrato que Marita conservava, em imagem, nas telas do pensamento. Aracélia, amparada
pela doce afeição de venerável amiga, ali estava, diante de nós! Mãe amorosa, vinha talvez
de muito longe para acudir às angústias da filha''' Enternecendo-nos, a pobre mãe ajoelhou-se
para beijar-lhe os cabelos''' E, oh! segredos insondáveis da Providência Divina!''' Quem
conseguirá definir com palavras humanas a essência do amor que Deus situou nas entranhas
maternas?!''' A dama inclinou-se, muito de manso, e abraçou-a, com ternura, à maneira de planta
que se fechasse sobre a única flor que lhe nascera'''
A castigada menina acalmou-se de súbito. Adivinhando a visita pela qual suspirava, alijou a
tensão, percebendo-se mentalmente ocupada pela presença da genitora, cujos traços tentava,
afetuosa, lembrar e reconstituir.
Outro quadro, entretanto, superpôs-se, comovedor.
Aracélia, que orava e chorava em profundo silêncio, buscava em pensamento outra mulher, cuja
evocação lhe renovava as energias.
A mãe desencarnada via-se pequenina, junto da lavadeira singela que a trouxera, na
reencarnação última, para o teatro da vida humana. Identificava-se criança, agarrada à saia
daquela moça doente, que mergulhava as pernas no rio para ganhar o pão''' Tão fundo atingia a
acústica da memória, que chegava a escutar o ruído daquelas mãos miúdas, esfregando as peças
ensaboadas''' Recolhia-lhe, de novo, o olhar meigo, em que lhe pedia paciência''' Calada, na
areia, por vezes esperava, esperava, depois que a mãezinha lhe repunha o corpo frágil, à curta
distância, a fim de atender ao serviço''' E rememorava o enlevo e o júbilo que sentia, quando
os braços maternos a retomavam, para fazê-la dormir, ao som do velho estribilho, a que se
acostumara no lar de telha vã'''
De olhos parados, como se buscasse, além, no espaço infinito, o colo agasalhante que o tempo
arrebatara, assumiu nova posição, colocando a cabeça da jovem no próprio regaço e, emocionando-se
até às lágrimas, qual se tivesse nos lábios aqueles lábios de mãe, humilde e enferma, que jamais
esqueceria, Aracélia, em pranto resignado, cantou suavemente diante de nós:

Lindo anjo de meus passos,ã
Descansa, meu doce bem;ã
Dorme, dorme nos meus braços,ã
Enquanto a noite não vem.ã
dorme, filhinha querida,ã
Não chores, encanto meu;ã
Dorme, dorme, minha vida,ã
Tesouro que Deus me deu'''ãã

Qual se fora repentinamente magnetizada, Marita caiu em pesado sono.
Isso feito, a senhora, que tutelava a companheira, atraiu-a brandamente de encontro ao peito,
no manifesto propósito de consolá-la e, segurando-a, falou-nos triste:
-- Irmãos, nossa Aracélia ainda não está em condições de amparar a filha.
E, ajuntou, entre gentil e desapontada:
-- Perdoem-nos a interferência. Nós, as mães, em certas dificuldades, nada mais temos que
alguma velha canção para dar aos nossos filhos!'''
Em seguida, retirou-se sustendo Aracélia, que se lhe refugiara nos braços, soluçando'''

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