Colcha de retalhos sobre o "feminino"

Semana passada pediram-me que escrevesse sobre a mulher, devido ao
seu dia Internacional. Não pude. Estávamos sem ajudante e quase me vi
maluca tentando que a casa não fosse tomada pela sujeira e tentando que
as crianças não derrubassem a casa enquanto eu tentava salvá-la da
sujeira. Tornaram a pedir, por E-mail, e então eu descobri que não sei
escrever sobre o "feminino", porque o assunto, de tão subjetivo ,
confunde. Entretanto, sei de casos.

Nós éramos amigas desde antes do Estêvão e ela recentemente teve
bebê. Depois dos quatro meses, voltou a trabalhar. Desde então, sua vida
tornou-se um caos: o bebê não se adaptava a creche e ela não se adaptava
a ficar sem o bebê. O leite empedrou, ela se deprimiu, o bebê perdeu
peso e não se adaptou ao copinho, ao LA e à papinha precoce. Solução?
Fingir que estava ótima para o bebê, para ele sentir segurança nela e
mais facilmente aceitar a separação. Aquilo me confundiu:
- Pera aí, fulana... Mas você tem mesmo que voltar a trabalhar?
- Tenho, ué!
- Por que? Não dá mesmo pra largar? É muito importante para você
fazer as duas coisas?
Ela parou por um tempo e continuou, através do telefone:
- Não, Jô. Hoje em dia, mulher tem que fazer as duas coisas.
- Tem?
- É, tem. Hoje é assim. Tem que fazer as duas coisas.
- Tem pra quem?
- As pessoas te olham estranho, se você ficar só em casa. Parece que
vocÊ é submissa, dependente, bitolada, essas coisas. Não fica bem.

***

OUtro caso, outra amiga: linda, divertida, inteligente - o tipo
"mulher ideal". Ela realmente acha que a melhor coisa do mundo é
investir na sua carreira, e tem se saído maravilhosamente bem nisso.
Namorados ocasionais, mas nenhum desejo de casar, menos ainda de ter
filhos.
OUtro dia, desabafou:
- Nossa, Jô, eu não agüento as pessoas dizendo que eu tenho que
casar e ter filhos. Diz que uma mulher só é completa quando é mãe.
- Eu não te acho nadinha incompleta.
- Nem eu. Mas será que eu sou incompleta e não sei?
- Bobagem. As pessoas sabem quando estão incompletas. Elas sentem um
vazio.
- Bem, eu sinto esse vazio, se penso em ter filhos. Eu não quero
abrir mão das minhas noites de sono, dos meus horários flexíveis da
minha vida como está.
- Então não tenha filhos.
- Você não entende! Todo mundo cobra. Minha mãe, minha avó...

***

Conclusão: a vivÊncia do feminino passa obrigatoriamente por se
sentir e se situar. Descobrir quem é, de que gosta, aonde quer ir... E
pagar para ver. Como da mulher que pode largar o trabalho para se
dedicar integralmente à cria em lugar de substituir amamentação em livre
demanda por antidepressivos; como aquela outra que não tem a menor
vontade de engravidar e se entrega de corpo e alma àquilo que a
completa.
Penso que nós, mulheres, somos absurdamente agredidas e não nos
damos conta. A todo o tempo, querem decidir por nós. Querem definir
nossas roupas, nosso cabelo, nossas preferências. Nossa iniciação
sexual, até mesmo nosso corpo. Nossa vida pessoal, enfim, todas as
nossas escolhas. Nessa toada, acho que muitas mulheres não sabem quem
são; não sabem de que realmente gostam. Seguem o estereótipo traçado
pelo meio, jurando que isso é ser feminina, agredindo-se no processo e
malbaratando o melhor de si mesmas.
Na minha visão, o "feminino" está permanentemente associado a duas
características: coragem e personalidade.