Carta de um bebê
Tinha medo de tudo ao nascer. O mundo era gigante, estranho e
assustador. Meus olhos se incomodavam com a luz; meus ouvidos se
assustavam com os sons. Você era o sinônimo de segurança, mas logo ficou
incomodada com minha dependência.
Se chorava desejando seu colo e seu seio, você me oferecia
brinquedos ou luzes para que me distraísse. Se a segurança que sentia
quando me alimentava me fazia desejar mais e mais, oferecia-me
mamadeiras, na esperança de que eu dormisse por mais tempo e te desse
mais espaço.
Você era meu único referencial e tudo de que precisava. Assim
aprendi que minhas necessidades emocionais poderiam ser substituídas
por conforto material e que não podia expressar livremente meus anseios.
Quando bem pequenino, dava-me brinquedos para não me pegar no colo,
esperando que fosse capaz de ficar mais tempo sozinho. Você queria um
bebê independente e eu precisava de uma mãe presente. Os estímulos para
o desenvolvimento de minha inteligência eram totalmente dispensáveis; o
aconchego que fortaleceria meu ser, não.
Quanto mais eu te
chamava, mais te afastava, até que desisti.
Logo aprendi e solicitava coisas do mundo quando precisava de coisas do
coração.
Você se sentia culpada e me compensava; eu me sentia lezado e
exigia. Era inconsciente, mas estava lá o mecanismo.
Hoje não sei como me conectar às pessoas, quando tive tantos hiatos
nessa primeira conexão. Que modelo seguir? Como atrair sua atenção para
que apenas fique perto de mim?
Sob as luzes da televisão e do monitor do pc eu a observo, e parece que às vezes foge
de mim. Trabalhando para me dar coisas para não me olhar nos olhos,
será? Fazendo cursos, aprendendo tanto sobre tanto, para não
saber tudo de mim, talvez? Por que sempre que chega perto de mim, parece
esperar pelo melhor momento para ir embora?
Contigo aprendi a não ter medo do escuro, dos monstros do armário e
da televisão. Sempre existe uma explicação lógica. Todavia, jamais me
souberam explicar porque o amor mete tanto medo.
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