Frase

"A noção do dever bem cumprido,ainda que todos os homens permaneçam contra nós, é uma luz firme para o dia e abençoado
travesseiro para a noite."
(Os Mensageiros)


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sexta-feira, 10 de julho de 2009

relato do parto de Mariles Estela

Engraçado que eu sinto a escrita desse relato com um misto de
compromisso, necessidade, compulsão e... Encerramento. Como se um ciclo
da minha vida só pudesse ser fechado quando eu escrevesse esse relato e
enviasse.
Para quem conhece toda a "missa daqui de casa" e quer ver só o
relato, pode procurar por... Sei lá, por |||! :-) Para quem não sabe,
bora lá.

Jobis, 26, casada com o Vi, ambos deficientes visuais, morando em
Guaxupé.
A gravidez do nosso primeiro filho aconteceu após 3 abortos
espontâneos e foi um evento muito conturbado do ponto de vista físico e
do emocional. Anoto apenas que essas conturbações nada tinham a ver com
o bebê não ser bem-vindo. Ele era... E muito.
Na época eu tentava me descobrir como mãe e me "apossar" da nossa
família, da nossa autonomia, da nossa independência física e emocional.
Esse processo foi alavancado e potencializado pela vinda do Estêvão, e
confesso que me envolveu tanto, que eu conseguia olhar para pouco mais.
Eu queria parto normal porque era normal, porque seria mais fácil
assumir meu filho com um e porque eu queria estar lá quando ele
nascesse. Mas eu simplesmente queria um parto normal, entendem?
Pré-natal sem problemas para o bebê, 37 semanas e 9 dias, e de
repente eu começo a ficar "estranha". As contrações
de pródomos ficam mais intensas e a bolsa rompe. A médica e eu já
tínhamos acertado o que fazer nessas condições: hospital imediatamente,
"é claro". O ponto é que, para contar sobre o parto da minha filha,
dois anos depois, eu tenho que me deter aqui, nesse preciso momento. Eu
simplesmente preciso voltar ao líquido escorrendo aqui na mesma sala em
que escrevo, dois anos e dois meses mais tarde; eu tenho que voltar à
impressão úmida e morna, ao relaxamento geral que me acometeu, à
impressão intensa como poucas de que meu filho estava chegando e que
tudo começaria para nós, de verdade. Eu tenho que lembrar do vestido
simples, o mesmo que eu usei no início do trabalho de parto aqui em casa
e, sobretudo, da impressão terrificante de que eu tinha feito "tudo
errado". Por algum motivo, eu não deveria estar indo ao hospital; por
algum motivo, eu não deveria estar aonde eu estava; por algum motivo, eu
tinha tomado o caminho errado, e "algo podia acontecer"; por algum
motivo, eu não estava segura... E o meu filho também não. Isso veio como
uma revelação, mas não de fora, que eu pudesse atribuir à influências
externas de qualquer ordem; veio de mim, de um lugar instintivo e
recôndito, de compartimentos secretos da minha alma e do que eu tinha de
mais meu, de mais visceral. E eu estava presa. Presa pela minha
ignorância mais que pelas minhas escolhas. Naquele momento, eu não tinha
escolha. Só devia proceder a tricotomia, revisar a malinha minha e do
meu bebê e ir para o hospital.
Para falar do parto da Mariles, eu tenho que voltar àquela meia hora
no banheiro, a cada deslizar da lâmina durante a depilação significando
rios de percepções instintivas codificadas e avassaladoras e do medo sem
nome e sem defesa. Eu não tinha medo da dor do parto. Aquela ia doer e
pronto. Eu tinha medo daquilo que eu sentia e que sabia que não podia
contestar, embora jamais pudesse explicar.
Então eu tive que ir para o hospital e o nascimento do meu filho foi
uma pantomima, se é que posso me expressar assim. Sete centímetros de
dilatação (alguns disseram que eram 5 ,, outros que eram 9, francamente,
jamais houve um consenso, então eu fico com o número do meio) viraram
uma cesárea sem anestesia por causa do mecônio. Como se relata uma
cesárea sem anestesia? Não se relata. Simplesmente não pegou a
anestesia, a coisa é auto-explicativa.
Engraçado que eu busquei imagens para descrever aqui a dor do Parto
da Mariles e não encontrei lembrança de nenhuma dor que me apavorasse,
mesmo agora... Mas a cesárea, dois anos depois, ainda está vívida em
mim, seja pela impressão sem descrição, seja pela certeza absoluta de
que eu não precisava passar por aquilo, nem meu filho. E mais forte que
a dor, foi a impressão de que, se eu soubesse, se eu isso e eu aquilo,
poderia ter evitado. Poderia ter nos protegido. Sobretudo, poderia ter
protegido o nosso pequenininho. O que mais doeu, então, não foi a consciência
plena de que seria rasgada sem anestesia, antes de tudo começar, e me
preparar para isso; não foi a dor do bisturi elétrico atravessando meu
corpo e meu útero; não foram os puxões de cabelo do anestesista, para
que eu não desmaiasse; foi o sentimento atroz de que eu tinha sido
incapaz de proteger o meu filho. Os exames, o pré-natal cuidadoso, nada
disso protegeu Estêvão. E eu soube que aquilo era desnecessário, e
contra tal tipo de revelação, nenhum argumento da medicina tradicional
tinha qualquer chance.
Tínhamos já regressado de Ribeirão quando eu disse ao meu esposo que
a próxima vez ia ser diferente. Ele não entendeu a princípio. Penso que
ele, como todo o mundo de dentro da matriz, achava que tudo fora uma
fatalidade. Então eu expliquei o que sentira e que, desde então, iria
trabalhar pra ter um parto diferente, sim, porque nós teríamos outro
filho.
Os caminhos foram se mostrando aos poucos. Primeiro a Parto Nosso,
e a vontade de economizar para parir perto da minha terra natal, com a
doutora Melânia. Foi assim por um bom tempo, embora jamais tivéssemos
falado com ela. A idéia era economizar para ter dinheiro para viajar
para a Paraíba, afim de ir ao Recife ter parto com a Dra Melânia.
Então, um dia estávamos ouvindo música. Era "menina", do "teatro
mágico", e então nós sentimos que a hora de tentar outro bebê era
chegada. Antes um aborto espontâneo e depois, a boa-nova... Grávida,
afinal. Daí o plano de parto foi ficando cada vez mais próximo.
Primeiro, Belo Horizonte; depois, São Paulo... E enfim...
Eu não lembro com quantas semanas de gravidez eu estava quando
pensamos que o melhor seria procurar o lugar mais perto daqui com
assistência humanizada. Lembro que eu estava procurando no google e
coloquei a chave "doula Ribeirão", como mais uma das muitas cidades que
ficam perto daqui... E então apareceu a Léo.
Acabei passando "óleo de peroba" e ligando para ela naquele mesmo
dia. Pusemo-nos em contato e, algum tempo mais tarde, marcamos um
encontro em Ribeirão.
De lá eu saí com uma certeza e uma dúvida: a certeza era de que ela
estaria comigo no parto. Engraçado que não foi nada do que ela disse que
me deu essa certeza, ao menos, nada relacionado a mim. Foi quando
estávamos na porta de uma sala grande, na qual ela ministraria um curso
de parto a que gostaria que eu assistisse. Algo no jeito de ela
descrever a sala e o que faria durante o curso, fez com que eu sentisse
que ela estaria conosco até o fim e que era a pessoa perfeita para
isso... A dúvida... Bem, ela falou em parto domiciliar. Não sei quanto
ela própria levou a sério o que sugeriu naquele primeiro momento, mas eu
pensei... Bem, se vamos nos meter nisso, por que não apostar todas as
cartas? Eu lembrava como era chato ter contrações naquela mesa plana,
com os braços amarrados e sem condições de me mexer. Francamente, não
duvido que a maior parte da dor que tive naquela época se deveu mais à
posição que à questões fisiológicas do próprio ato de parir. Quando
voltei para casa, procurei meu medo de um pd e não encontrei. Ao menos,
não aonde presumivelmente estaria.
Lá pelas bandas de março, a Léo me ligou e, dentre outras coisas,
falou da Helena, que trabalhava com ela. A idéia era ela vir doular o
nosso parto com a Léo. O meu raciocínio era quase pueril: se eu confiava
na Léo e a Léo confiava na Helena, então não havia porque me opor.
A parteira é que foi mais difícil encontrar, uma vez nos decidimos
todos pelo pd. Precisávamos de uma pessoa que topasse um pd pós cesárea
e viajar para isso. Um monte de questões entravam em tela, tais como
agenda, só para começar.
Foi aí que entramos em contato com a Ivanilde. Eu liguei para ela
em um
dia, de tarde, enquanto ela voltava de uma farmácia. Conversamos, eu lhe
expliquei toda a situação e nos acertamos. Se eu arcasse com os riscos
de esperar, ela arcaria com os de viajar; e se nós chegássemos até o
momento de ela vir para fazer o parto, era porque Deus achara que era o
melhor para todo o mundo.
A coisa era tão simples e transparente, que só podia ser a coisa
certa.
Outra pessoa que esteve lá, na hora P, foi a minha mãe. NO plano
original de parto, ao menos, o plano que permaneceu até a idéia de um
domiciliar se firmar, era que eu iria para Ribeirão perto da hora de
parir com o Vi e minha mãe ficaria com o Estêvão. Acontece que ela disse
que não viria, e isso colocou o pd no primeiro lugar da fila de
hipóteses viáveis. Durante toda a gravidez nós nos mantivemos em
contato, e sua opinião sobre sua própria vinda e sobre o parto em si
sofria variações estonteantes. Na hora H, porém, quando eu já estava com
algumas contrações, ela disse que vinha. Confesso que isso me inquietou
bastante. Confesso que eu não sabia se, depois de tantas idas e vindas,
ela estaria pronta para permanecer em um pd sem ser um elemento
desestabilizante... E confesso, também, que eu estava errada. Ela foi
simplesmente perfeita, irretocável, maravilhosa. Não que ela jamais
tenha sido tão boa antes, mas o saber quanto isso lhe custou até o
nascimento da minha filha, faz que o seu êxito sobre si mesma tenha
contornos ainda mais dignos e incríveis, para mim.
E então chegamos ao marido, um ponto tão debatido quando a questão é
um parto domiciliar. Quando tivemos tudo do primeiro nascimento, o Vi
estava numa de me compensar e aceitaria qualquer idéia que eu desse.
Depois, ele aceitaria qualquer idéia que parecesse mais segura. Mas
quero explicar que as coisas mudaram quanddo eu engravidei. Quando você
tem uma segunda gestação, muitas coisas mudam. Na cabeça do Vi, ele não
queria mais parto nenhum. Acho que em alguns momentos, ele não queria
era filho nenhum. Não havia rejeição em relação a Mariles em si, mas o
medo de que um filho significasse o risco de outro parto, de perder a
esposa, de amar alguém como se ama a um rebento e depois perdê-lo, como
quase aconteceu com o Estêvão. Então, por alguns meses, nós andamos
separados nessa questão: enquanto eu queria porque queria um processo
diferente e para isso tentava me informar e preparar, o Vi queria não
estar ali. Ele queria a segurança do conhecido e o parto era mais uma
ameaça que qualquer outra coisa. Em todo esse transe, ele nunca me
impediu de fazer o que estava fazendo, mas também deixou muito claro que
não esperasse mais dele que simplesmente pagar. Sim, ele aceitava o meu
pd, mas ele não ansiaria por ele; sim, ele achava, o que nunca entendi,
que parir em casa era mais seguro que fazê-lo no hospital, mas não
significava que ele estivesse disposto a ler livros, relatos e opiniões
em listas.
Com o tempo e o amadurecimento eu passei a aceitar o ponto emocional
dele e a não pressionar, e na medida em que eu fazia isso, devagar,
muito devagar, ele foi se aproximando... Mas a "aproximação total" não
aconteceu até a hora P, quase que literalmente. Antes daquele momento,
ele aceitaria um pd, mas não brigaria por ele comigo.
Todos os elementos expostos - gravidez anterior, parto domiciliar,
pessoas envolvidas -, eu gostaria de fazer uma pausa para "combinar" uma
coisa. Eu poderia fazer um relato bem mais curto e talvez bem mais fácil
de escrever e de ler, mas não acho que isso adiantaria muita coisa.
Penso que talvez o meu caso - distância, parto domiciliar, deficiência
-, possa ser útil a outras pessoas, imagino... E acredito que a
proporção da utilidade está na proporção dos detalhes, tanto físicos,
quanto emocionais. Eu podia então escrever um relato limpo, direto, sem
ondas. Mas então, não seria o relato do meu parto; seria uma versão
açucarada, distorcida e talvez até menos rica e para não escrever um
relato honesto, é melhor escrever relato nenhum. Então, em alguns
momentos, eu vou falar de sentimentos meio estranhos que eu tive,
impressões, idéias, medos, essas coisas. Gostaria de deixar claro,
porém, que tudo isso veio da minha cabeça, do que eu sentia, da minha
personalidade, da forma
como o processo de parto agiu sobre mim. Do mesmo modo que eu não
posso fazer um relato enxuto sentindo que faço um relato honesto,
igualmente não posso falar dos meus sentimentos sem deixar absolutamente
claro que eram apenas meus sentimentos. Isso posto, acho que podemos
continuar.

|||

Não estou certa sobre o marco do meu trabalho de parto. Quando
estava com 36 semanas, as contrações de bh estavam mais fortes e
doloridas do que costumavam ser. Além disso, eram muito vistosas:
qualquer um que estivesse olhando, reparava que aquilo era mais que o
bebê mexendo. Foi por causa disso que a visita de "reconhecimento" da
Léo e da Helena foi antessipada. As contrações estavam de dez em dez
minutos quando fomos ao hospital, para avaliar. Lá ouvi algumas pérolas
como "seu útero está "contraindo errado"" e foi dito que a ordem era
tentar segurar até a "hora mágica" das 37 semanas, mesmo o ultra
totalmente ok. Bem, acho que eles deviam estar certos, no final de tudo.
E eu que hesitara grandemente em tomar o tal remédio que inibiria as
contrações, passei a tomar como água... E não adiantou nada, como eu
imaginei que seria, a propósito.
Desde aquele dia, exceto em uma ou duas ocasiões, as contrações não
pararam. Quando a Ma completou 37 semanas, parei de tentar inibir. Parei
de contar no relógio, também. Aquelas contrações, que começavam de baixo
para cima, não eram contrações de parto, portanto, não havia porque
perder meu tempo com elas...
Um dia - não lembro qual foi, mas lembro que liguei para Léo de
madrugada -, a coisa mudou. Elas ficaram bem mais doloridas,
consideravelmente mais, e definitivamente vinham de cima para baixo,
agora, terminando com uma dorzinha no pé da barriga, que eventualmente
irradiava para as costas ou para as pernas. Acho que era o começo da
fase latente, porque elas jamais eram regulares quanto ao intervalo e a
duração. Fosse como fosse, jamais passavam uma hora inteira sem vir, ao
que me lembre agora. Minha política foi falar nelas o menos possível. Só
passava os informes para a Léo, com medo de deixar passar algo
importante. Na época eram informes simples, do tipo "tudo estável", ou
um ou outro detalhamento ínfimo, quando algo havia para detalhar. Mas,
pelo que parecia, eu bem podia ficar daquele jeito as 42 semanas, pelo
que assumi que aquela intensidade de contração não nos levaria a lugar
nenhum e parei de contar, simplesmente. Sabia que elas me acordavam a
noite toda, que não passavam se eu deitasse ou me banhasse na maior
parte do tempo, mas isso não importava, ou, ao menos, eu tentava não me
importar.
Nessa época eu comecei a fazer cardiotoco duas vezes por semana. Eu
sei que existe uma corrente muito respeitável que não aconselha essa
conduta, mas, no meu caso, eu senti que podia proporcionar isso a minha
família.A cada vez que eu chegava em casa garantindo que o exame
"jurava" que estava tudo bem com a Mariles, eles se sentiam mais
confiantes e mais serenados. Claro que rolava uma pontinha de
ressentimento pela palavra das máquinas ter mais peso que meus
instintos, mas meu ego precisava ser mais forte que isso.
Antes, bem antes de tudo isso, eu brincava com a Anacris que
entraria em trabalho de parto às quatro da tarde. Acho até que cheguei a
dizer isso para a Léo, também. Bem, eu errei. Se contarmos o começo do
tp por quando eu senti que as coisas estavam realmente esquentando,
então nós vamos parar na quinta,dois de julho. A primeira impressão que
eu tive foi de calor. Muito, muito calor. Todos estavam de blusa de frio
e eu estava de vestidinho sem manga, suando em bicas pela casa. A
pressão estava em 12 por 8, insuficiente pra justificar tudo aquilo.
Então vieram as contrações e, depois, frio, bastante frio, para em
seguida voltar o calor. Isso não era normal. Liguei para a GO e ela me
disse que era indício de tp; liguei para a Léo e ela se decidiu por vir
aqui para casa, com a Helena.
E aqui começa o meu "relato de sentimentos estranhos que tinham
início e fim em mim mesma": as pessoas me perguntavam como eu estava com
a idéia de esperar o pessoal chegar, possivelmente em tp e eu dizia que
estava ok com isso. Não estava mentindo. Esse nunca foi um ponto
nevrálgico para mim, não mesmo... Mas houve um: eu tinha muiiiiiiiita
vergonha. Muita mesmo. Quase paralisante. Pensava que era extremamente
indelicado tirar uma pessoa do seu dia, da sua família, de tudo, assim,
sem avisar. Uma indelicadeza quase imperdoável. Pode parecer engraçado
agora, mas esse foi o meu principal ponto: o receio de incomodar. Lembro
que quando a coisa apertava de madrugada, eu pensava: ai, meu Deus.
Madrugada, não! Está bem, a Ivanilde até prefere vir de madrugada por
causa do trânsito, mas é tão chato acordar as pessoas de madrugada!
E aqui vale ressaltar, embora tenha ficado tácito, após o combinado lá
de cima: nunca, em momento algum, qualquer das três fez qualquer
referência a se sentirem incomodadas ou qualquer coisa assim. Jamais.
Era uma coisa minha mesmo, talvez vinda da educação no sentido de ser
extremamente deselegante ligar para alguém depois das dez da noite.
Estou certa de que as três assumiram que receber ligações de madrugada
ou até ter que viajar de madrugada estava incluído no pacote de atender
um parto a distância.
Mas então a Má condescendeu nesse ponto e o tp não iniciou de
madrugada, mas às 3:45 da tarde. Eram 4:15, mais ou menos, quando liguei
para Léo, e 10 da noite quando ela e a Helena vieram, após vencerem meus
débeis argumentos de que "não era necessário". Lembro que naquela fase
eu estava meio incoerente e foi o Vi quem ficou conversando com elas
sobre os horários das contrações.
Agora outro "momento revelação": quando fomos ao hospital nas 36
semanas, uma coisa ficou clara para mim: que aquele não era um lugar
seguro. Estou falando do que eu senti. Pode ser que eventualmente seja
um lugar seguro, mas eu não senti isso. Senti, na verdade, que eu devia
manter distância de lá, se quisesse um pd. Naquela noite, para ser
exata, eu
senti que estava andando sobre uma linha muito fina. Se eu pendesse para
qualquer lado, cairia em uma cesárea. Se eu fosse ao hospital com
aquelas contrações, obviamente iria para o soro e teria 6 horas para
dilatar 5 centímetros. Sem isso, era cesárea. Então o futuro estava
claro a minha frente: eu não podia ir para o hospital. Fosse como fosse,
teria que ficar em casa. Então o meu medo era muito simples: tinha medo
de ligar para Ivanilde e ela sugerir que eu fosse ser avaliada no
hospital, eu ir para lá e acabar ficando. Sim, claro que eu tinha
bastantes argumentos para dizer não, mas, a sério, o tp não é o melhor
momento para a gente brigar. Está bem, tecnicamente é possível, mas não
é como se você não estivesse em tp. O outro ponto é que eu sabia que Vi
e minha mãe estariam bem *desde que não tivesse nenhum discurso
terrorista encima deles*. Eu podia perfeitamente ouvir pérolas como
"olha, aproveita que está tudo bem ainda e faz uma cesárea! Pense na sua
filha!" sem me alterar de fato, mas não estava totalmente certa de que
minha família permaneceria imune a esse tipo de ataque. Então, sim, o
hospital era um problema. E se ligar para Ivanilde significasse uma
orientação para ir ao hospital, então esse também era um problema. Mas
claramente eu tinha que ligar para ela de todo o jeito, especialmente
quando as contrações continuavam noite a fora, quando a Léo entrava em
contato da estrada, perguntando se eu já tinha ligado, quando o Vini
ficava me pedindo para ligar e quando todo o bom senso do mundo dizia
que eu tinha que ligar, ora bolas.
Então, apesar do carro batido e de ter acabado de sair de outro
parto, a Ivanilde veio... Graças a Deus pelos imensos favores...
Helena e Léo chegaram perto das dez, e eu tive que esperar uma
contração para lhes dar boa-noite. Não havia dúvidas: eram contrações
de parto. Mas a minha ficha não tinha caído. Eu estava com medo de não
ser. Passamos a noite inteira juntas as três, conversando, rindo,
ouvindo música e eu tendo contrações. Elas eram razoavelmente
doloridas, mas amplamente suportáveis. Agora estavam mais ou menos
regulares, não como um relógio, mas mais ou menos, e a intensidade ia
crescendo, crescendo.
Ficamos nisso até que a Ivanilde chegou, entre às 4 e às 5 da manhã
- não sei exatamente. E o que tínhamos? 1 cm e meio de dilatação e o
diagnóstico de um "falso trabalho de parto".
Eu não sabia aonde enfiar a cara. Me senti muito envergonhada, como
se eu fosse um tipo de farsante. Senti ainda que meu corpo estava me
traindo. "Caramba, se não é pra nascer ainda, não faz escândalo, ok?"
Estava irritada com todos aqueles tremores e suores, com as contrações
que há semanas não me deixavam dormir direito, com o fato de
aparentemente ser o centro de uma pantomima.
Helena e Léo sugeriram que eu tomasse banho e depois me fizeram uma
massagem. Eu estava tudo que não podia estar: irritada, frustrada e
envergonhada, tudo junto, enquanto as contrações de um centímetro e
meio em 11 horas continuavam, como que fazendo chacota de mim. Foi aí
que Léo cantarolou "ojalá" de Silvio para mim. Aqui cabe um parêntese:
nós sentimos essa música de forma diferente: ela sente como uma
afirmação de fé, de força; eu sinto como um exorcismo, como alguém que
tenta expulsar alguma coisa. As duas interpretações são válidas, mas,
naquele momento, eu não consegui deixar de sentir que estava acolhendo
minha raiva, assumindo minha frustração, minha impotência, minha
vergonha e tentando exorcizá-las como podia.
Depois da massagem, Léo tentou começar um relaxamento, mas não deu
certo.
"O que você prefere? Um campo, uma praia ou uma floresta?"
Minha resposta interna e autamente irônica: "contrações que prestem
ou uma noite decente". Resposta para ela: Ah, Léo, eu acho que tanto
faz...
Mas não pude deixá-la ir até ao fim. Não seria honesto. Ela estava
tentando me relaxar e eu estava tentando fazer outra coisa. Claro que
tudo aquilo estava dentro da minha cabeça e eu poderia facilmente fingir
relaxava, enquanto continuava o trabalho de "ojalá", e então
agradecer e deixá-la ir dormir... Mas seria desonesto demais e
eu pensei que Léo conseguiria entender se eu pedisse para parar.
Ela entendeu. Então eu fiquei sozinha, supostamente para dormir.
Eventualmente eu fiz isso, realmente, mas não antes de terminar a
história do "ojalá". Sim, eu estava irritada, sim, eu estava
envergonhada, sim, eu estava frustrada e tinha que entender e aceitar
isso. Naquele momento, proteger meu tp significava ser honesta comigo,
e eu não podia fugir, por mais desagradável que fosse sentir tudo aquilo
durante as contrações. Estava quase afundada em um quadro patético de
auto depreciação e comiseração quando percebi o que estava faltando..
Mariles! Eu estava desconectada de Mariles! Eu não estava considerando
os sentimentos dela, as necessidades dela! Eu estava autocentrada demais
para pensar que, se eu ia parir, Mariles ia nascer... E que eu podia
fazer algo por ela enquanto isso. Talvez entrar em comunhão com minha
filha fosse a chave. De modo que dormi cantando para ela dentro da minha
cabeça, dizendo-lhe da porção de coisas bonitas que faríamos quando ela
nascesse, contando as peripécias do seu irmão e as coisas engraçadas que
nossa familinha vivera até ali.
Então tudo parou. Tivemos um dia sem contrações
nem "contracinhas", que era como eu chamava àquelas que não resolviam
nada. Fomos caminhar, tocamos violão, mas não engrenava. E quanto mais
não engrenava, mais eu ficava com vergonha. Eu tentava relaxar, tentava
esquecer do tp, e realmente conseguia fazer isso quando nos
entregávamos a algum divertimento, como o de caminhar e o de fazer
música, por exemplo... Mas quando a diversão acabava e eu reparava que
relaxar não tinha adiantado, os sentimentos ruins voltavam com força
total.
Acho que eu dormi naquela tarde. Só sei que às seis da sexta,
estávamos no exame de toque. Acho que estávamos estagnados, ou tínhamos
mais meio centímetro, não lembro ao certo. Só sei que a Ivanilde
decidiu descolar a bolsa e eu concordei. E ficamos naquela. Casa meio
estranha, clima meio estranho, mas eu achava que era mais impressões
vindas de mim que do ambiente. O Vi teve que ir ao aniversário da mãe
dele e eu fiquei muito triste: queria ele perto. Veja bem, não seria
nada de mais, uma horinha, apenas, mas eu estava meio perturbada naquela
altura. O que eu sentia e pensava estava totalmente embaralhado e eu não
conseguia separar isso. O mais difícil era tentar alguma coisa com todo
o mundo a minha volta pedindo para eu parar de pensar, porque o
neocortex precisava ser desligado na hora do tp. Eu entendia isso e
concordava, mas simplesmente não conseguia parar de pensar, e o não
conseguir parar com todos dizendo que eu devia e com as evidências
científicas mostrando que eles estavam certos só me fazia sentir mais
frustrada e incompetente. "Se seu cérebro não funciona, você vai esperar
o que do seu útero?" "você não vai entrar em tp e a culpa vai ser sua,
porque não pôde desligar o seu cérebro". "Mas se eu desligar meu
cérebro, como vou fazer para parir? Quero dizer, eu nunca fiquei sem
pensar antes, então...?"
Para piorar, a Ivanilde explicou que, se por acaso não engrenasse
até a manhã de sábado, Helena e Léo voltariam para casa. Sim, claro,
seria fácil elas voltarem para cá, naturalmente eu ficaria muito bem
assistida enquanto elas estivessem fora, mas aquilo só fez eu me sentir
ainda mais envergonhada. Então elas viriam duas vezes aqui à toa, para
um falso tp? Como eu poderia confiar em mim, nos meus instintos, se por
duas vezes tudo tinha falhado tão redondamente? Eu era o centro de uma
pantomima e arrastava os outros para ela. E o que aconteceria se eu não
entrasse em tp até domingo, por exemplo? Uma hora Ivanilde também iria
para casa, é óbvio. E o que eu faria? Recomeçaria tudo do zero a mais um
alarme de tp?
Aí soou um alerta vermelho na minha cabeça. Eu sabia no que dava
ficar girando como louca em torno de variáveis imaginárias: eu ficava
totalmente desgastada, perdia energias preciosas para lidar com a
questão presente e, claramente, não chegava a conclusão nenhuma. Ficar
girando assim em torno de hipóteses sem poder prever nem fazer nada a
respeito era um veneno mental. E quer meu cérebro estivesse desligado ou
ligado na hora do tp, eu não podia me dar ao luxo de me desgastar sem
necessidade, levando em conta que meu físico não estava em seus melhores
dias desde o começo da gravidez.

Nesse momento todos estavam dormindo. Vi tinha já voltado do
aniversário e descansava. Ivanilde, Helena e Léo estavam dormindo,
junto com minha mãe. Estêvão, idem. As contrações estavam querendo
voltar, eu achava, e eu daquele jeito não ajudaria em nada, se fosse
efetivamente um tp. Tentei me acalmar sozinha, mas não estava
conseguindo. Todo mundo tinha se disposto a conversar comigo durante a
noite, se eu precisasse, mas eu estava envergonhada demais para isso. De
qualquer modo, eu acho que saberia o que cada um ia dizer. O Vi diria
"para de pensar e dorme!"; a Helena provavelmente sugeriria a mesma
coisa, mas com um pouco mais de palavras e gentileza implícita. A
Ivanilde sugeriria que eu fosse dormir e tentasse relaxar, e a minha mãe talvez oferecesse
mais chá.. E a Léo... Bem, eu achava que ela chegaria no ponto, que o
meu ponto todo era vergonha. Mas como todo bom envergonhado, eu estava
com vergonha de dizer quanto tinha vergonha, então chamá-la estava fora
de questão também. Relaxar era sensato, mas eu não consigo empurrar uma
questão para fora da mente sem a resolver. Então eu lembrei da Rebeca.
Mandei uma sms para ela e conversamos. O papo de sempre: você foi feita
para parir, o seu útero é perfeito, ela vai vir no tempo dela... E a
pérola: Existem cerca de 300000 mulheres parindo nesse momento. Com
certeza vai chegar um pouco de oxitocina para você.
Era de tudo que eu precisava: da idéia de que havia uma legião de
mulheres anônimas parindo comigo, e que, fatalmente, eu pariria também.
Outra vez, simples e profundo demais para não estar certo. Deitei na
cama e começava a afugentar as idéias de trabalho de parto perpétuo e
não-dilatação seguida de cesárea com a das 300000 mulheres parindo. Ora,
se 300000 mulheres vão parir, por que eu seria a exceção? Claro, me
abstive de tentar calcular quantas daquelas acabariam numa cesárea por
falta de dilatação - eu também não sou sádica.
Aquela noite me ensinou uma coisa: eu jamais conseguiria desligar o
meu cérebro. Tentar fazer isso era o que estava me travando, talvez,
porque eu também acreditava que tinha que fazê-lo... Você não vira outra
pessoa para parir. Cada um leva para o tp aquilo que tem e o que é. Eu
sou uma pessoa extremamente racional e quase que excessivamente teórica.
Cedo aprendi que minha mente era minha maior fortaleza, meu mais seguro
refúgio, o recurso que eu
sempre levo comigo e que dificilmente me deixaria. Tentar
voluntariamente abrir mão disso era agressivo e contraproducente, ao
menos, para mim. Se eu queria parir, tinha que ser eu mesma. Se alguma
coisa diferente acontecesse, teria de vir de um processo natural, como o
próprio ato de parir o deveria.
Mais tarde as contrações apertaram e eu conversei com a Helena.
Queria saber se era mais sábio dormir ou investir naquela "engrenada".
Ela foi sábia: dorme. Se for tp, não vai parar e você estará mais
fortalecida.
Com efeito, eu não dormia bem desde o princípio da gravidez. Entre
crises recorrentes de asma e de insônia e cuidar de uma criança de dois
anos que dormia mal, restou pouco empo para dormir. O mesmo aconteceu
com a comida. Então, de algumas semanas até ali eu estava comendo tantoq
uanto podia e dormindo também, consciente de que, quando a hora
chegasse, as minhas reservas já estariam um pouco baixas. Na verdade,
vendo em retrospectiva, a falta de energia foi o maior problema durante
o tp propriamente dito.
Tomei um banho com a Helena perto. Estava eu e as 300000 mulheres em
tp dentro do chuveiro. Enquanto isso, eu comecei a falar um monte de
absurdos sobre as datas dos nascimentos do Kevo e da Mariles.
Cômico, mas acho que a oxitocina começou a chegar para mim naquele
momento.
Passei a noite toda entre dormir, evocar um monte de idéias malucas
e levantar para as contrações. Quando elas vinham automaticamente minha
mente puxava uma imagem. A das 300000 mulheres ficou gasta dentro de
poucas horas, mas eu tinha vários pensamentos e frases guardados para
esse momento. Assim desfilaram junto com as ondas trechos de músicas, de
conversas, de mensagens das listas, de livros de que eu gostava.
Naquele dia pela manhã o Vi me chamara para ouvir com ele uma coisa.
Era um trecho de "ave, Cristo!" e eu soube, quando ele fez isso, que ele
estava inteiramente comigo, de modo que os trechos de "ave, cristo!"
estiveram comigo também, até que se gastaram. Foi entre às seis e às
sete que a Ivanilde entrou no quarto, atraída pelos meus gemidos durante
as contrações. Eu estava tão imersa no trecho de "verbos", de Tim e
Vanessa, "Tu escolhes os elementos / elaboras sentimentos / alfa e omega
dos atos", que nem percebi que estava gemendo. Meu corpo e minha mente
estavam trabalhando juntos agora, mas tornavam-se cada vez mais
dissociados. Eu não tinha consciência das contrações indo e vindo, dos
meus movimentos para as receber. De algum modo, tudo estava certo
enquanto eu fosse capaz de evocar trechos e imagens.
Então a Ivanilde "anunciou que eu estava oficialmente em tp",
enquanto a Helena dizia que eu estava mais ou menos daquele jeito na
noite anterior. Então tp era aquilo? Era bom, na verdade. Eu poderia
ficar daquele jeito por um bom tempo, acho. Recomeçamos a homeopatia
(tínhamos iniciado na sexta pela manhã, se não me engano) e a Ivanilde
me pedia para caminhar para acelerar o tp. Eu não conseguia. Não que eu
não conseguisse executar os movimentos - aquilo não era tão difícil
naquela altura -, mas eu estava começando a ficar em um estado que não
era tão agradável quanto as outras partes do tp: eu queria, mas não
queria as pessoas perto; eu queria, mas não queria ajuda; eu queria, mas
não queria sentir que estava com alguém. Essas sensações paradoxais eram
ruins. Na sexta eu comecei a me sentir extremamente incomodada se
qualquer pessoa falasse durante as contrações. Refiro-me a praticamente
qualquer coisa, inclusive a coisas perfeitamente comuns de serem ditas
durante uma contração, como, por exemplo, "essa está mais longa". Não
era só um incômodo emocional, mas, sobretudo, um incômodo frio. Eu tinha
um tipo de choque, parecia que ia me dar muita, muita dor de cabeça, não
era bom, de jeito nenhum. Agora some isso a minha vergonha e vai ter a
confusão. A outra parte não tão boa do tp chegou quando começamos a
caminhar, acho que foi com a Léo, em primeiro lugar, mas pode ter sido a
Helena... Eu ficava incomodada com o toque físico, talvez mais que com a
fala. Sim, eu queria toque, segurar na mão e abraço. Todo o resto me
dava um desespero, uma agonia, como se estivesse quebrando alguma coisa,
sei lá. Eu nunca tinha lido sobre isso, e agora não dava mais tenmpo de
perguntar o que estava acontecendo. Mas tanta reatividade a toque físico
não podia ser ok. E a vergonha de não conseguir filtrar esse mal-estar e
acabar repelindo o toque das pessoas também era ruim.
Achei muito interessante a comunicação silenciosa que foi sendo
estabelecida entre mim e as meninas da equipe. Com cada uma delas essa
sintonia se mostrava de uma forma diferente, mas todas elas pareciam
captar no ar o que eu estava sentindo e fazer de tudo para reagir
positivamente a isso, por mais estranho que talvez pudesse parecer.
A Helena simplesmente me segurava do jeito perfeito, a Léo parecia
ler meus pensamentos e até mesmo ser minha voz quando eu estava imersa
demais para explicar o que quer que fosse e a Ivanilde conseguia cantar
de algum lugar da casa. A distância, o timbre, as notas, a voz dela eram
perfeitos para mim, nem longe demais, nem perto demais, e era gostoso
usar os hinos religiosos que ela entoava como pano de fundo para as
imagens e as frases mentais.
O
fato é que, quanto mais o tp engrenava, menos eu queria falar e menos eu
queria ouvir. Muito maluco isso. Com o tempo eu percebi que as palavras
das pessoas tinham que atraveçar uma cortina até chegar ao meu cérebro,
e que isso, de alguma maneira, me tirava energias. Eu não entendia bem
porquê tudo isso, porque, a sério, eu estava bem. As contrações iam e
vinham, eu reagia a elas, cantava, gritava, fazia sons guturais, mas era
mais no automático que qualquer outra coisa. Lembro que com a Helena
isso foi muito legal: ela me abraçava e me "ajudava com os sons", e eu
não precisava pensar no que ela estava falando, apenas acompanhar, e
isso era bom. Ela não falava, apenas fazia os sons, e eu não precisava
pensar. Eu sentia que devia estabelecer uma espécie de
separação entre meu corpo e minha mente, porque só assim eu conseguiria
ter o controle do processo. Era meio irônico precisar tanto do meu
cérebro, quando eu tinha entendido que a melhor forma de parir minha
filha seria desligá-lo. Se eu soubesse que seria tão fácil, não teria
gasto tanta energia preciosa me xingando por não conseguir desligar a
mente.
Bem, eu tentava caminhar, mas não conseguia, não por questão física,
mas porque no tp a minha tendência à imobilidade era quase irritante. Eu
só queria me mexer para as contrações, só queria abrir a boca para as
contrações. Depois de algum tempo, não sei quanto, ouvi a Léo dizer para
alguém que eu tinha "feito o meu ninho" ali no quarto, e então não saí
mais de lá. Lembro de ter solicitado água de coco e água comum durante
todo o tp, mas não guardei consciência precisa desses momentos: era meu
corpo que fazia isso, não a minha mente. A minha mente estava longe,
cada vez mais alheia, voltando à tona só quando alguém se "aproximava
demais" ou quando percebia algum ruído que lhe parecia estranho.
Enquanto isso, trechos e trechos de músicas e livros desfilavam na minha
cabeça, e eu os repetia mentalmente com todas as forças durante as
contrações, enquanto verbalmente alternava entre chamar pela minha filha
e pedir forças a Deus. Em algum momento a Ivanilde veio e me sugeriu,
com muita gentileza, que eu vocalizasse menos, para poupar energias.
Tentei fazer e deu certo. Não vocalizar naquele momento também me
ajudava a me internar mais na mente, naquele repositório de frases e
trechos que eu tinha arquivado inconscientemente para usar durante as
contrações.
Acho que tínhamos acabado de voltar de uma caminhada meio frustrada
pelo corredor da casa quando eu sugeri a banheira e a Ivanilde disse que
era melhor só entrar depois de uns seis cms, eu acho. Aquilo estava ok
para mim, ela estava certa e, de alguma forma, eu sentia que podia
continuar naquilo infinitamente. Após o toque, estávamos com os
centímetros certos e fomos para a banheira. As contrações acalmaram de
alguma forma, mas eu fiquei assustada com minha mente. O querer e não
querer companhia se tornou ainda mais difícil de administrar. É o tipo
de coisa que não tem meio termo: ou você quer, ou você não quer, e lidar
com duas impressões fortes e concomitantes em torno do mesmo tema era
muito desgastante e frustrante, para falar a verdade. Mas o pior não foi
isso. Eu senti, de alguma forma, que o meu corpo estava menos
resistente, que não estava obedecendo mais aos comandos das imagens e
dos trechos. Lembro de ter tido um calafrio considerável na banheira e
de ter pensado: ou é fase de transição para o expulsivo, ou é
endorfina... Agora vai! Mas o meu corpo demorava para reagir. Eu me
levantava, mas ele parecia pesado. Eu queria as pessoas e me atirava na
direção delas, mas depois me "assustava" com sua presença e tentava
repelir. Era como se no esforço de contrair o útero e dilatar, ele
estivesse perdendo o elo com a mente que, aparentemente, era também o
que o provinha de mais energias para continuar. Foi a primeira vez que
tive medo, durante todo o tp efetivo. O meu ponto não era anestesia - eu
mal tinha consciência da dor e, para ser bem franca, nem me lembro mais
dela -, mas sentia que o meu corpo não poderia ir muito mais longe, que
eu estava perdendo o elo com ele e que isso poderia por tudo abaixo. O
pior é que eu experimentava imagens, idéias, frases e todas elas eram
incapazes de alimentar meu organismo. Foi o momento em que conversar se
tornava absurdamente penoso, embora fosse necessário, claro. Lembro que
estava lutando para encaixar uma imagem que funcionara muito bem no
passado - Mariles engatinhando no chão - e ela falhava redondamente,
quando uma pergunta da Ivanilde atravessava aquela cortina maluca que
parecia se estabelecer entre mim e o resto do mundo. Era algo como
"filha, você quer que ela nasça aí?" E eu pensava: "ahn? Querer que ela
nasça? o que? Quem?" e demorava um tempo precioso para conseguir
articular uma resposta coerente. Então ela me explicava que daquele
jeito a passagem diminuía, que eu acharia mais fácil se ficasse de lado.
Eu entendia as palavras, absorvia o tom empático e afetuoso, mas era
incapaz de processá-las, enquanto as imagens se sucediam na minha cabeça,
com cada vez menos eficácia e mais desespero. Eu levava em média duas ou
três contrações para entender e conseguir responder direito ao que ela
dizia, era essa a impressão... E ficava muito brava com meu corpo, nesse
ínterim, porque até ali ele fora capaz de fazer tudo que era dito sem
que eu precisasse pensar, e agora, quando a Hora se aproximava, ele
estava fraquejando. A dor não importava mais. A minha consciência dela
era cada vez mais vaga e insignificante, de qualquer modo. Importava
conseguir fazê-lo voltar a responder, voltar a codificar os estímulos,
voltar a atender às informações. EU estava separada, em algum ponto
presa entre o corpo e a mente. Em algum lugar eu estava lúcida,
cônscia de tudo, mas incapaz de reagir.
Enquanto isso, lembro das pessoas se alternando na minha frente,
para segurar o chuveirinho encima da minha barriga. Aquilo era bom:
aliviava e me ajudava a conectar corpo e mente... NO mais, eu ficava
dentro da banheira agora, de vez em quando me levantando e gritando
durante as contrações, ou tentando não gritar durante as contrações, ou
tentando absorver uma informação extremamente simples como se tratasse
de um cálculo realmente complexo e inédito.
"Você quer sair da banheira?" - a Ivanilde sugeria, sempre muito suave,
falando alguma coisa sobre minha temperatura ou minha pressão, nem
lembro mais.
"Ahn? Sair? Para onde?" Parecia muito simplesmente continuar aonde
estava, puxando aquela carroça pouco cooperativa que era meu corpo,
naquele momento. Lembro de ter dito qualquer coisa sobre medo da dor e
estar pensando na dor de sentir que estava perdendo o controle do corpo,
não estava mais conseguindo colaborar ativamente... Mas acho que todo
mundo interpretou, compreensivelmente, que eu estava falando da dor do
parto. Lembro de dizer o clássico "eu não aguento mais", pouco depois
que meu corpo tinha enviado a informação para o meu cérebro meio
desconectado. Foi aí que eu encontrei a imagem perfeita. Já tinha
passado sem sucesso pelas evocações de frases poderosas, de imagens de
efeito, de trechos redentores. Os vultos da resignação e da doçura eram
suaves demais para aquele momento; os revolucionários e ativos eram
distantes demais. Foi naquela admissão do "não consigo" que eu encontrei
a coisa que me deu forças. No final de tudo, foi o orgulho humano, puro
e simples que me fez reagir, me fez realmente conseguir sair da letargia
mental e assumir outra vez o controle, tanto quanto se podia ter
qualquer controle naquele momento. Eu me imaginei ali, parada, com
minha filha entalada em algum ponto entre a bacia e o canal de parto.
Quanto tempo elas levariam para perceber que eu não estava conseguindo
mais me obrigar a continuar de forma ativa e produtiva? Eram todas
experientes demais para não perceber isso. E então, o que viria?
Fórceps? Nunca me ocorreu perguntar se a Ivanilde usava fórceps -
provavelmente sim, - porque na minha cabeça jamais imaginei que pudesse
precisar disso. Certo. E se estivesse alto demais para o fórceps, eu
pensava, o que ela faria? Uma transferência? Francamente, eu não podia
fazer isso com nenhum de nós. Não podia fazer isso com minha filha -
levá-la até ali para terminar num hospital -, não podia fazer isso com
os cinco ali presentes - imaginá-los se esforçando tremendamente para
me vestir ou me enrolar de uma forma minimamente apresentável para irem
comigo até um hospital era terrível... E, sobretudo, não podia fazer
isso com o meu orgulho pessoal.
Ninguém tinha mencionado qualquer intercorrência - aparentemente, o
problema todo era um princípio de exaustão física, porque nem prolongado
o tp ativo estava - então, eu ainda tinha chance de assumir algum
controle e parir minha filha ali. Eu tinha feito todo o percurso,
contactado as pessoas certas, lido um monte, aprendido, enfrentado meus
limites emocionais um a um... Para acabar em mais uma cesárea com não
sei quanto de dilatação? Absolutamente. Eu não podia ser um "quase pd"
diante de mim mesma. Porque era óbvio o que aconteceria se eu fosse ao
hospital com aquelas contrações e sem forças para me obrigar a
continuar: eu iria para a cesárea. Depois de uns vinte dias de
contrações dolorosas, de lutar para não ir ao hospital, para não ceder,
para preservar o nascimento da minha filha, eu iria terminar em uma
cesárea por falta de energias? De jeito nenhum, droga!
Acho que foi nesse ponto que eu comecei a estapear a parte lateral
da banheira. Na minha mente, eu me estapeava. Eu queria fazer qualquer
coisa que obrigasse meu corpo a reagir de forma mais contundente, e
lembro de sem querer ter beliscado a Ivanilde e puxado o cabelo da minha
mãe, e apertado a mão da Léo ou da Helena com força demais. O ponto não
era aquele. Eu queria sair. Eu queria tirar minha mente daquele lugar em
que ela pensava, mas não entendia nada nem mandava nada. Eu queria tirar
minha mente daquele lugar em que era difícil demais virar meu corpo de
lado e decidir para onde ir, já que era interessante que eu saísse da
banheira. Eu queria tirar a minha mente daquele lugar em que uma cesárea
era uma hipótese e em que eu poderia ir, totalmente indefesa e
carregando minha filha "meio lá, meio cá" para o lugar aonde eu não
achava que estaríamos em segurança.
Acho que foi nesse ponto que eu sugeri ir para o chuveiro com a
banqueta de parto, mas não deu certo, a banqueta escorregou lá embaixo.
Então eu estava na cama e estava no expulsivo. Alguém dizia que a cabeça
estava apontando, e eu estava lá, presa naquele limbo entre o corpo e a
mente, incapaz de sentir, apenas irritada com meu corpo e tentando
obrigá-lo a reagir.
"Assim vocÊ reduz o espaço da pelve" - dizia a Ivanilde, quando eu
estava sei lá de que jeito encima da cama.Eu entendia, mas não conseguia
me obrigar a interpretar, e isso só me deixava mais irritada. Eu não
estava mais "suplicante". Não estava mais na fase do "não agüento mais";
agora o momento era o de agüentar sim, e colaborar a todo o custo.
Lembro de usar absolutamente de toda concentração para decodificar e
entender cada pedido simples que Ivanilde me fazia. Lembro de ficar
praticamente imóvel durante os intervalos, não relaxando, como era de se
supor, mas plasmando uma espécie de túnel mental aonde só entrasse as
vozes delas e as orientações. Eu precisava me alhear de todo o resto -
da irritação por estar perdendo as forças, do meu orgulho ferido caso
tudo desse errado, do desejo de proteger a mim e minha filha de um
monte de intervenções - e ficar só com a voz dos cinco: da Ivanilde, da
Helena, da Léo,
do Vi e da minha mãe. OUvia cada palavra e juntava-as devagarinho, como
num quebra-cabeças, e me obrigava a reagir adequadamente. Foi nesse
ponto que eu consegui algum domínio, ainda que de forma lenta. Virar de
lado, usar a contração para fazer força, não para vocalizar, impulsionar
o joelho em direção ao seio e fazer força, força, força, até que
sentisse que não precisava mais fazer força. Acabasse a contração, eu
devia descansar, podia abaixar os joelhos, que isso não faria o bebê
retroceder. Lentamente eu conseguia obedecer. Lentamente eu conseguia
sentir que minha filha sairia de lá com segurança, para ser amparada
pelas pessoas em quem eu confiava irrestritamente. Lentamente eu
conseguia garantir que o seu pai teria um novo registro de parto, que eu
não seria uma estatística de cesárea. Mas eu percebi um outro
"problema": o esforço para chegar àli era grande demais para me
permitir fazer qualquer outra coisa. O túnel funcionava, meu corpo
reagia, mas eu não conseguia me importar com o que acontecia
externamente... E o que acontecia externamente era o nascimento da minha
filha. Eu podia desfazer o meu túnel para "sair" e sentir o nascimento
dela... Mas tive medo de dar errado. Tive medo de perder o controle e
nos deixar engasgadas no expulsivo. Então ela nasceu e eu não senti
nada. QUer tocar? Não. "Aquilo" entre as minhas pernas não me causou
qualquer emoção. Aquilo sobre mim não me provocou nada. Eu estava
exausta e concentrada demais para fazer alguma coisa além de me
concentrar e concluir tudo. Consegui lhe pedir desculpas pelo meu
estado. Consegui lhe dizer alguma coisa coerente, mas no mais, não havia
nada, como se pensar tivesse retirado todo o espaço de sentir. Mas tudo
bem, eu não me importava com isso naquele momento. Havia muito tempo
para sentir. Muito tempo para prová-la, para aninhá-la e acolhê-la, para
termos todo o tempo do mundo. Nem havia espaço para me sentir vitoriosa
ou qualquer emoção positiva sobre mim. Eu estava exausta e minha filha
estava segura. Eu tivera o parto humanizado que nos prometera, cercada
das pessoas que mais importavam e que, cada qual a seu modo, seguiram
comigo desde meses atrás. O processo estava encerrado e eu não tinha
espaço para sentir nem para lamentar o que quer que fosse, mas estávamos
todos em paz, estávamos todos bem, eu estava bem. Não me sentira
assustada nem agredida por nada que qualquer pessoa a meu redor tivesse
dito ou feito. Os demônios eram todos meus, os medos eram todos meus, e
estava bem que fosse assim. Cada qual leva o que é para o tp, e isso era
justo, natural e... Humanizado.
Na hora de costurar a laceração (extensa, mas de primeiro grau,
segundo a Ivanilde), eu comecei a fazer força para sair do túnel. Não
precisava mais dele, podia ficar exausta à vontade. Sabia que, se eu
dormisse por doze horas, minha filha estaria bem, por causa da reserva
energética que ela tinha. Então eu comecei a sair, e o efeito prático
foi uma breve, cômica e inesperada "crise de loucura". Lembro de fazer
um tipo de musiquinha com as letras do alfabeto, de ficar falando coisas
absurdas, de não ter o menor controle da minha mente; de cantar "comprei
um quilo de farinha pra fazer farofa" enquanto a Ivanilde me costurava.
Teve até direito a laloglocia, se me lembro bem. Mas não importava. Eu
estava saindo do túnel, saindo, saindo...
O resto passou num borrão. Helena e Léo se despedindo, Ivanilde pro
aqui nos dois dias seguintes.
As primeiras mamadas passando em um átimo,
e eu ali, de algum modo, sem sentir nada.
Aquilo começou a me perturbar, com o passar dos dias. Não estava
certo eu não sentir nada sobre o parto e, sobretudo, sobre a chegada da
minha filha. Nada estava certo no mundo quando eu não conseguia me
enternecer ao amamentá-la. Eu não estava nas probabilidades de depressão
pós parto e afins, então eu tinha que dar um jeito nisso.
Foi logo posterior à saída da Ivanilde. Não foi difícil fazer o que
eu queria. A porta fechada, nós duas no quarto, os apetrechos para o
banho posicionados com uma meticulosidade quase que militar. Estávamos
nós duas no quarto, o aquecedor ligado. Começamos a conversar, como era
na barriga. Eu ia lhe falando e cantarolando coisas leves mas suaves,
bem suaves, e, de repente, me via repetindo para ela as improváveis
canções de ninar que dividia com Estêvão. As peças eram retiradas uma a
uma e eu a tocava, sentia e cheirava. Deixava que sua delicadeza me
impregnasse, que nos conectássemos outra vez. Ela não chorou, apenas
apertou meu dedo como resposta. Não retirei o dedo e fiquei fazendo tudo
com uma mão apenas, para não desfazer o seu toque. Não tinha preça
nenhuma e, lentamente, eu ia saindo, saindo do túnel. A onda de amor que
deveria ter vindo durante o nascimento me submergiu quando ela estava
imersa na água, quietinha, apenas mexendo-se levemente enquanto eu a
tocava. Era mais uma carícia que um banho; era mais um encontro que um
procedimento de cuidado e rotina. Tudo estava certo agora.
Os próximos dias prometem ser difíceis. Eu tenho muito para
aprender. Acho que não sei ser mãe de duas crianças de uma só vez. Eles
têm necessidades tão diferentes! Também não sei se estou totalmente
pronta para virar noites cuidando de um bebê, se ela precisar. Mas não
importa. A sério, não importa. Por pior que seja, vai passar, e vai
passar com glória, se eu conseguir ser coerente com os compromissos que
assumi.
Faz muitos anos que desisti da idéia pueril de ter uma "vida fácil".
Acho que eu vou, até ao fim, de dificuldade em dificuldade, de desafio
em desafio, de vitória em vitória, de derrota em refazimento... E não me
importo que seja assim.
Há bastantes anos, no tempo em que eu era muito mais impulsiva e
imatura, ouvi uma frase que me marcou muito: "no planeta em que vivemos,
o sofrimento é condição. É impossível passar pela vida física sem
conhecer o sofrimento, da mesma forma que é muito difícil passar pela
vida física sem conhecer o amor, e conhecendo o amor, pode-se suportar
qualquer espécie de sofrimento".

***

Os agradecimentos são tantos, que nem sei se é gentil escrever a
respeito.
A todas que ofereceram suas casas para eu parir - nunca, nunca vou
esquecer disso;
a Helena, Ivanilde e Léo, que por meses me dedicaram seu
profissionalismo, sua empatia e seu amor;
ao Vi, por ter sido sempre o melhor marido que podia ser, e pro ter sido
tudo que eu poderia pedir;
a minha mãe, por ter vindo e se superado;
às listas bestbaby e Parto nosso - como um todo e em particular a muitos
dos seus membros -, por seu apoio, carinho, compreensão e empatia;
a AnaCris, por ter me xingado de idiota quando eu pedi. :-))))
A Beca, por ter dito sempre as coisas certas;
ao Estêvão e a Mariles, por, sobretudo, terem confiado em mim.

***

Se eu acho que valeu a pena? Isso nem se discute. Se eu queria mudar
alguma coisa? Confesso que lamentei não ter sido mais ativa durante o
nascimento da minha filha. Eu queria ter tocado nela ainda dentro de
mim, eu queria ter sentido mais ativamente o cordão umbilical e mesmo a
placenta... Mas eu sei que fiz tudo o possível para fazer a minha parte,
então estou em paz comigo e totalmente capaz de manter essas pequenas
frustrações em um nível inofensivo.

Acho que é isso...
Paz, luz, discernimento e força, sempre,

Jo

AL FINAL DE ESTE VIAJE EN LA VIDA

Al final de este viaje
en la vida quedarán
nuestros cuerpos hinchados de ir
a la muerte, el odio, al borde del mar.
Al final de este viaje
en la vida quedará
nuestro rastro invitando a vivir
por lo menos por eso es que estoy aquí.

Somos prehistoria que tendrá el futuro
somos los anales remotos del hombre
estos años son el pasado del cielo
estos años son cierta agilidad
con que el sol te dibuja en el porvenir
son la verdad o el fin
son Dios.

Quedamos los que puedan sonreír
en medio de la muerte, en plena luz
en plena luz, en plena luz...

Al final de este viaje
en la vida quedará
una cura de tiempo y de amor
una gasa que envuelva un viejo dolor
al final de este viaje
en la vida quedarán
nuestros cuerpos tendidos al sol
como sabanas blancas después del amor.

Al final del viaje esta el horizonte
al final de este viaje partiremos de nuevo
al final de este viaje comienza un camino
otro buen camino que seguir descalzos
contando la arena, al final del viaje
estamos tu y yo, intactos...
Quedamos los que puedan sonreír...
(Silvio Rodrìguez)

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