Não é só o paraíso, mas, e daí? - quem quer o paraíso?
Não sei vocês, mas a idéia comum de paraízo me mataria de tédio:
eternamente na pasmaceira, sem desafio, sem goteira na vasilha, sem
superação nem surpresas? Que paraíso infernal!
Uma amigaficou grávida. Eu vibrei. Toda gestante/bebê merece
uma boa acolhida nesse mundo; merece abraços, votos de bom parto e muito
leite. Merece ter a gente na torcida, afinal, é um desafio, e quem não
quer torcida para que nos saiamos bem nos momentos realmente
importantes?
Soube depois que alguns lhe "abriram os olhos":
"Aproveita que você pode dormir, porque depois, já sabe!"
"Aproveita que você ainda pode sair, porque depois, já sabe!";
"Aproveita que essa roupa ainda cabe em você, porque depois....".
Ahn, isso é inveja ou miopia?
Tá, tudo bem, eu admito: a maternidade não é o paraíso - graças a
Deus!
Enfim, tem noite que a gente quase não dorme, ou dorme muito mal;
tem mamada que a gente jura que a próxima vai ser na mamadeira, ou faz
preces para não comprar uma mamadeira; tem hora que todo mundo sai,
menos a gente; tem momentos em que parecemos viver em um mundo à parte -
vocês sabem, aquele em que as pessoas vêem televisão e viajam, só pra
começar... Mas, e daí? Quem se importa?
Compare isso à dádiva dos chutinhos; à delícia daquela boquinha
minúscula sugando um seio seu, com a mãozinha aberta sobre o outro;
pense naquelas risadinhas escancaradas, naqueles bracinhos estendidos;
na cumplicidade de um banho para baixar a febre de madrugada; na
confiança indiscriminada que eles têm ao nos chamar a qualquer hora; nos
seus beijos babados, no reconhecimento íntimo tácito e imediato; num
amor que não precisa de status nem aparência - simplesmente é, e que se
dane o resto!
Pense naquela vozinha te chamando de mamã pela primeira, e segunda, e
terceira, e quadragésima milionésima vez; pense na vitória / medo /
calafrio de ver aquele toquinho indo para escola; na alegria com que ele
chega de lá e te mostra seus desenhos; no júbilo indizível a cada
pequeno-grande avanço, pequeno-grande rasgo de inteligência,
pequeno-grande gesto de humanidade, mostrando que aquele toquinho que se
mexia na sua barriga agora sabe cantar, rir, gritar, fazer barulho,
pedir desculpas, se constranger ou se sentir acolhido.
Ótimo. Pensou? E agora, cotege tudo isso com noites mau dormidas,
bicos rachados, desesperos intensos e passageiros de "não vou resistir à
próxima mamada", dois ou três anos sem passear. Cotejou? Certo. Agora pense naquela imagem chata e
deprimente dos supostos paraísos, em que nada é surpresa, nem desafio,
nem superação, nem provocação, nem efetivamente mágico. Pensou? Ótimo. Então, acho que
concordamos que, de um ponto de vista realmente qualitativo, maternidade
é, sim, o paraíso.
Há pessoas que reclamam que a vida não lhes traz felicidade. O
problema é que, mesmo para ser feliz, precisa ter coragem e
determinação.
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