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"A noção do dever bem cumprido,ainda que todos os homens permaneçam contra nós, é uma luz firme para o dia e abençoado
travesseiro para a noite."
(Os Mensageiros)


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domingo, 6 de junho de 2010

Maternação - a arte de transformar pedras em pérolas

Quando eu pensava no bebê que estava na minha barriga há quando da
primeira gestação efetiva, definitivamente ele dormia. Foi assim nos
primeiros tempos. Aos três meses, meu pequeno Estêvão dormia das sete
às sete - sete da noite de um dia, até sete da manhã de outro - e eu me
sentia definitivamente privilegiada por isso.
Então, parou. O sono passou a ser uma conquista árdua, regada a
lágrimas dele e, não raras vezes, minhas, que eu tinha o cuidado de
chorar quando não estávamos juntos.
Fiz tudo que pude para contornar isso, menos deixar chorando.
Até que um dia - não lembro quando nem porquê, - eu calcei as
sandálias da humildade e admiti que meu filho talvez dormisse bem algum
dia, mas não seria quando eu quisesse, mas apenas no momento em que
estivesse pronto.
Um peso saiu da minha vida, a partir dessa constatação. Apenas nesse
momento eu me dispus a acompanhá-lo na hora de dormir, porque antes eu
simplesmente ia impor que ele dormisse.
Hoje meu filho ainda tem problemas de sono. Acorda cerca de duas a
quatro vezes, toda a noite, e demora muito para dormir - de trinta
minutos a três horas... E são os momentos mais doces da nossa vida em
comum.
Com um segundo bebê, ele aprendeu que esse é o momento para ter a
mamãe só para ele, pelo tempo que ele precisar. Muitas vezes, ele vem
pulando me convocar para o ritual do sono. Então eu lhe dou banho,
visto, faço a vitamina para a mamadeira e nos deitamos na cama.
Lá ele mama de mãos dadas comigo. Puxa, abraça, aperta, faz carinho
em mim. Pede histórias e me conta suas próprias histórias. Conversamos
sobre o dia um do outro, sobre a vida, sobre nossas expectativas.
Algumas vezes, ele pede para inverter o lado da cama, então ele se sente
minha "mãezinha": arruma as cobertas ao meu redor, me dá um copo de
água que ele mesmo busca na cozinha, me abraça e me conta histórias.
Quase que eu durmo antes, mas em algum momento ele desinverte a
situação, e acabamos dormindo do jeito habitual.
Apesar do grande investimento de tempo desse momento e apesar do
cansaço de quase nunca dormir uma noite inteira, hoje eu me pergunto que
outros caminhos usaríamos para construir a conexão que temos hoje, na
hora de dormir; será que se eu tivesse o tempo todo um filho que
dormisse das sete às sete, teríamos tanta intimidade?
Acredito piamente que esse momento só nosso na hora de dormir,
abriram janelas valiosas para enfrentar e resolver problemas que já
vivenciamos. Sem dúvida isso nos uniu ainda mais, de modo que, refeitas
todas as contas, penso que transformamos uma pedra em uma pérola de
carinho e união entre nós.
Na minha segunda gestação, confesso que imaginava um bebê que
comesse, mesmo porquê, meu primeiro filho sempre comeu magnificamente
bem. Mas, após desmamar sozinha, pouco a pouco, Mariles foi parando de
comer. Entre suspeitas e terrorismo, ainda estamos em busca de um
diagnóstico, entretanto, como tudo, isso também tem um lado positivo.
Aprendemos que Mariles só come o que outros estejam comendo,
jamais aceitando algo que se lhe ofereça, simplesmente.
Primeiro, passamos a comer no chão, na esperança de que ela se
sentisse atraída por alguma coisa. Foi gostoso aproveitar o finzinho do
calor no quintal. Foi bom sentar, receber o Sol diretamente em nós,
comer com os pratos nos joelhos. Quanto isso descontrai! Com o tempo,
ela engatinhava entre nós, punha a mão e cheirava, como vendo se aquilo
era confiável ou não. Talvez isso seja pouco ascético, mas é tão...
Natural e tão... Redentor! Agora ela tira do nosso prato e come, às
vezes. Nunca muito, nunca mais de uma vez a mesma coisa, mas existe uma
certa magia nesses momentos.
O almoço se tornou uma aventura diária, um momento de
confraternização e encontro que, de outro modo, dificilmente
lograríamos. É claro que a inapetência da nossa filha ainda nos preocupa
e inspira atenções, mas também é inegável que essa dificuldade abriu uma
janela importante entre ela e nós. Percebemos que, se ela não passou a
comer, é inegável que após esses almoços no quintal, tornou-se mais
expressiva, mais comunicativa, mais confiante... E, mais uma vez, por
amor, transformamos uma pedra em uma pérola...
Uma das coisas mais lindas na maternação, é que nossos filhos nos
mostram como somos capazes de amar, e de nos doar até a última gota, e
fazer a última gota virar um oceano, e com tudo isso prosseguir sem,
entretanto, jamais nos sentirmos vazios.

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