Frase

"A noção do dever bem cumprido,ainda que todos os homens permaneçam contra nós, é uma luz firme para o dia e abençoado
travesseiro para a noite."
(Os Mensageiros)


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terça-feira, 19 de outubro de 2010

Ponto de vista

Sempre fico tão atônita quando me falam em maternação em termos de
sacrifícios escorchantes e martírios, que mal sei o que dizer. Para mim,
é como se alguém me falasse que a água é seca e o céu fica embaixo. É
uma vivência tão diferente da minha, que
é difícil até começar a explicar.
O fato é que eu gostei. Gostei de ter um lugar para olhar, além dos
que me tocavam de maneira imediata; gostei de ter um bebezinho nos meus
braços, aquela coisa toda de ta dentro e ta fora, ser um indivíduo à
parte e, ao mesmo tempo, ser tão ligado a você; gostei de amamentar,
mesmo da dorzinha que vem, quando o leite começa a sair. É um prazer
sensorial indescritível. Gosto do silêncio, do ritmo fascinante da
sucção, da sincronia de dois corpos trabalhando juntos, uma coisa
similar ao sexo mas só que em outra direção. Gosto dessa sintonia
profundíssima com outro ser, de sentir a respiração deles e ela ser uma
espécie de ponte entre nós dois, um primeiro passo para um encontro
natural e instintivo, entretanto elaborado e casual, a um só tempo.
Gosto da confiança recíproca que se instaura entre nós, da impressão de
doação extrema e de pertencimento intransferível. Gosto da azáfama de
todos os dias, de ser intelectual e emocionalmente desafiada e me sentir
moralmente comprometida a responder com o amor, não com violência e
agressividade. Gosto dos barulhos deles pela casa, da doçura dos
brinquedos espalhados pelo chão, de sentir seus corpos relaxando sob os
meus dedos. Gosto da forma como meu casamento se amoldou a eles, como
meu esposo e eu ficamos mais unidos que nunca, depois que passamos a nos
deitar sobre o mesmo cansaço todas as noites, sempre tendo algo para
dividir e umA HISTÓRIA PARA CONTAR. O fato de olharmos na mesma direção
sobre a criação dos pequenos, faz com que eu me sinta ainda mais próxima
dele, fortalecendo progressivamente o elo que nos une.
Colocando tudo isso em perspectiva, o suposto peso de noites mau
dormidas e falta de tempo para ficar à toa é sumariamente
insignificante. Não importa. Tive mais de vinte anos apenas para mim.
Não me parece abusivo dedicar os próximos dez a outras pessoas.
Sinto orgulho em pensar que meu filho aprendeu a falar "Jesus" sob
minha influência, que aprendeu a rezar ao mesmo tempo que aprendeu a
falar. Gosto de quem eu estou me tornando por eles, e de quem eles podem
se tornar por mim. Isso é concreto, é sólido, é prático. O cansaço é
apenas um detalhe que, em certos momentos, até faz tudo mais
colorido e mais interessante.
E enquanto talvez haja quem se pergunte quando eu voltarei a ter uma
"vida própria", fico feliz em sentir que nunca, antes, minha vida foi
mais minha. Mesmo as horas de descanso e lazer jamais foram mais
especiais e mais revigorantes. Enfim, é tudo que eu teria pedido ao
Universo, se me conhecesse o bastante para saber de que realmente
precisava.

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